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domingo, 27 de setembro de 2009

Fragilidades


O que será mais frágil? O corpo? Ou a alma?
Depende dos dias, suponho.

Se há dias em que a alma dói de forma quase física, claramente, há alturas em que o corpo mostra a sua fragilidade e, muito embora, não haja ferida, a dor continua lá. E continua mesmo.

Mas a alma começa a suavizar a dor. Começou e tem disfarçado o incómodo do corpo.


quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Silêncio

O silêncio pode ser constrangedor.

Podemos ter muita afinidade com umas pessoas e não ter com outras.
Eu sou do tipo que não consegue interagir com toda a gente. Tenho pena, mas ainda não consegui desenvolver essa capacidade.

A questão é que quando estamos com certas pessoas a conversa simplesmente flui... Já com outras não há tema e quando o silêncio impera... bem significa que está na altura de sair discretamente.

Há pessoas com quem é muito bom conversar.
É bom falar sobre coisas. Falar de coisas sérias, mas também falar de coisas banais e engraçadas.


Mas também é extraordinário quando já se tem tanta cumplicidade, tanto conhecimento do outro, que o silêncio é perfeitamente suportável.
Há pessoas com quem não precisamos de estar constantemente a impôr assuntos, pois o silêncio não constrange.
A linguagem verbal não é a única forma de comunicação.

Ainda assim, há pessoas com quem é muito bom conversar.


Oasis - Wonderwall



quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Afinador de Silêncios

"Minha vocação é o silêncio. Foi meu pai que me explicou: tenho inclinação para não falar, um talento para apurar silêncios. Escrevo bem, silêncios, no plural. Sim, porque não há um único silênci. E todo o silêncio é música em estado de gravidez.
Quando me viam, parado e recatado, no meu invisível recanto, eu não estava pasmado. Estava desempenhando, de alma e corpo ocupados: tecia os delicados fios com que se fabrica a quietude. Eu era um afinador de silêncios.
- Venha, meu filho, venha ajudar-me a ficar calado.
Ao fim do dia, o velho se recostava na cadeira da varanda. E era assim todas as noites: me sentava a seus pés, olhando as estrelas no alto do escuro. Meu pai fechava os olhos, a cabeça meneando para cá e para lá, como se um compasso guiasse aquele sossego. Depois, ele inspirava fundo e dizia:
- Este é o silêncio mais bonito que escutei até hoje. Lhe agradeço, Mwanito.
Ficar devidamente calado requer anos de prática. Em mim, era um dom natural, herança de algum antepassado. Talvez fosse legado de minha mãe, Dona Dordalma, quem podia ter a certeza? De tão calada, ela deixara de existir e nem se notara que já não vivia entre nós, os vigentes viventes. (...)
Ao longe, se entrevia, na janela da casa anexa, uma bruxuleante lamparina. Por certo, meu irmão nos espreitava. Uma culpa me raspava o peito: eu era o escolhido, o único a partilhar proximidades com o nosso eterno progenitor.
- Não chamamos Ntunzi?
- Deixe o seu irmão. É consigo que mais gosto de ficar sozinho.
- Mas eu estou quase a ter sono, pai.
- Fique só mais um pouco. É que são raivas, tantas raivas acumuladas. Eu preciso afogar essas raivas e não tenho peito para tanto.
Queixava-me eu de sono, mas era ele quem adormecia."




Mia Couto, Jesusalém

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Try a little tenderness

"Women do get weary
Wearing the same shabby dress
And when she's weary
Try a little tenderness
She may be waiting
Just anticipating
Things she may never possess
But while she's without them
Try a little tenderness..."




Michael Bublé - Try a little tenderness

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Concerto

Quando se assiste a um concerto com vários instrumentos, com várias vozes o que acontece é que ouvimos a harmonia dos sons. Não distinguimos um instrumento do outro, não conseguimos perceber a quem pertence cada voz.
Só quando nos concentramos no que queremos ouvir é que conseguimos, de facto, ouvi-lo.
Adoro o som do piano mas, só quando quero ouvir o piano, consigo distingui-lo no meio de todos os outros que, sonoramente, são mais altivos.
Extrapolando esta metáfora, o que quero dizer é que, às vezes, não consigo ouvir... no meio de todos os sons que entram e dançam na minha cabeça... às vezes distraio-me...
Sou observadora mas a distracção ataca...
É bom que me vão lembrando que ainda não prestei atenção ao som do... oboé... da tuba...