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segunda-feira, 25 de maio de 2009

O Ente e a Essência

"Atendendo a que devemos chegar ao conhecimento das coisas simples a partir
das coisas compostas e alcançar o que é anterior a partir do que é posterior, de maneira a
que a exposição, ao iniciar-se pelo que é mais fácil, se torne mais adequada,
começaremos com a significação de ‘ente’ para chegarmos à significação de ‘essência’.
Deve então saber-se que em sentido estrito ‘ente’ se diz de duas maneiras, como
afirma o FILÓSOFO no livro V da Metafísica: numa, ‘ente’ é o que se divide pelos dez géneros, na outra, ‘ente’ é o que significa a verdade das proposições. A diferença
entre as duas está em que, na segunda, pode chamar-se ‘ente’ a tudo aquilo de que é
possível formar uma proposição afirmativa, mesmo que não corresponda a nada na
realidade. É neste sentido que as privações e as negações são designadas ‘entes’. Na
verdade, dizemos que a afirmação é o contrário da negação ou que a cegueira está na
vista. Mas na primeira maneira não pode chamar-se ente senão ao que corresponde a
algo na realidade. Por isso, na primeira, negações e privações como a da cegueira ou
outras não são entes.
Em consequência, não tomamos a designação de essência a partir da designação
de ente na segunda acepção, uma vez que nela se designam como entes certas coisas que
não têm essência, como é evidente no caso das privações. Mas tomamos ‘essência’ a
partir de ‘ente’ na primeira acepção. É por este motivo que o COMENTADOR declara nessa
mesma passagem que ‘ente’ na primeira acepção é o que significa a essência da coisa. Porque, como se disse, o ente, nesta maneira, se divide pelos dez géneros, é
necessário que a essência signifique alguma coisa de comum a todas as naturezas pelas
quais os diversos entes são classificados nos diversos géneros e espécies, como por
exemplo, a humanidade é a essência do Homem, e igualmente em relação aos demais.
E como aquilo pelo qual uma coisa se estabelece no seu género ou espécie
própria é o que é significado pela definição ao enunciar o que uma coisa é, os filósofos
substituíram o termo ‘essência’ pelo de 'quididade'. É o que o FILÓSOFO
frequentemente denomina ‘aquilo que algo era ser’, quer dizer, o que faz com que
uma coisa seja aquilo que é. Também se chama ‘forma’ pelo facto de que pela forma se
significa a certeza de cada coisa, segundo diz AVICENA no livro II da sua Metafísica.
Dá-se-lhe ainda um outro nome, o de ‘natureza’, tomando ‘natureza’ no primeiro dos
quatro sentidos distinguidos por BOÉCIO na obra As Duas Naturezas, ou seja,
enquanto por ‘natureza’ se diz tudo o que, seja como for, o intelecto pode captar.
Efectivamente, apenas pela definição e pela sua essência é que algo se torna inteligível.
E assim, também o FILÓSOFO diz, no livro V da Metafísica, que toda a substância é natureza. No entanto, o nome ‘natureza’, nesta acepção, parece significar a essência
de uma coisa enquanto mantém uma relação com a própria actividade, uma vez que
nada é desprovido de uma actividade própria. Quanto ao nome ‘quididade’, ele é tirado
daquilo que se significa pela definição. Já ‘essência’ diz que, por ela e nela, o ente
recebe o ser."
O Ente e a Essência, São Tomás de Aquino

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